Novamente postos a prova.
A história se repete. Ao invés de enfrentar esquecemos de aprender.

O que até então era tido como um evento longínquo, descrito em notícias esparsas, e por vezes desencontradas, como mais uma gripe, logo assumiu contornos de uma tragédia global.

A doença, cujo nome talvez venha do francês gripper, que significa “parar de funcionar” ¹, novamente, mas, como nunca, pôs em xeque o modelo dominante de humanidade. A maioria das pessoas se recolheu em busca da sobrevivência enquanto diversas outras seguiram. Sem direito de escolher.

Assim, numa perspectiva de mudança da noção de urgência, o tempo, considerado em sua dimensão relativa e psicológica, parou para muitos enquanto para outros se acelerou.

O vírus logo se alastrou ao redor do mundo, mantendo um ritmo alarmante de contágio e potencializado pelo modelo econômico predominante, baseado no “progresso”. Direta ou indiretamente, a população mundial vivencia em alguma medida os impactos arrasadores de mais uma pandemia.

Em contraponto à gravidade dos fatos, experimenta-se um período de contestação sistêmica da ciência em que a todo momento surgem mais e mais soluções “milagrosas”. Sobretudo oficialmente, buscam-se atalhos para lidar com a situação, os problemas são negados e a vida relativizada em prol do desenvolvimento econômico.

Postos em grau ilusório de igualdade, seja em recorte local ou global, as parcelas específicas da população foram afetadas de maneira desproporcional, umas muito mais do que outras. A explosão populacional humana nos últimos duzentos anos não foi resultado do aumento das taxas de fertlidade, mas sim da queda das taxas de mortalidade ³. A doença não distingue suas vítimas, as possibilidades de proteção sim.

Em sentido paralelo, esta série também pretende refletir sobre a lógica seletiva de documentação histórica, ancorada em estruturas de poder, em que diversas dimensões dos eventos vivenciados são destinadas ao apagamento.

Não à toa, as fotografias antigas, utilizadas como base no trabalho, mostram recortes específicos do norte global ocidental, não por um simples ato deliberado, mas, pela maior disponibilidade documental em relação a quaisquer outros locais do mundo.

Nesse contexto, em camada adicional, para além da referência ao estado de febre provocado pela doença, há o estado de febre provocado pelos discursos de poder que, no sentido amplo, apagam a história dos países colonizados e, no sentido específico do Brasil, estimula uma política febril de precarização da vida, apagando vidas. A utilização de fotografias termográficas, considerando as características técnicas e estéticas da imagem produzida, dilui o rosto, tornando a identificação impossível. Esse fato tem dois aspectos: por um lado exibe aquilo que nos faz vivo, a temperatura e, por outro, se inscreve como uma proposta de entendimento de equidade, uma utopia de amenização das estratificações raciais e fenotípicas, fazendo que todas as pessoas sejam, portanto, pessoas. Fato que conduz a uma reflexão acerca de representação e representatividade.

Choramos o mesmo choro, erramos os mesmos erros. Talvez, não apenas porignorar o passado na construção do presente, mas sim, pelo próprio passado que nos é dado a olhar.

Produzido no âmbito do distanciamento gerado pela pandemia de covid-19, “esquecemos de aprender”, muito mais do que apenas imagens, traz, a patir do paralelo com eventos passados, reflexões visuais sobre o momento atual e os possíveis caminhos de construção do futuro.

¹ SCHWARCZ, Lilia; STARLING, Heloísa. A Bailarina da morte / ² HAWKING, Stephen. Uma breve História do tempo / ³ DA VEIGA, José. O antropoceno e a ciência do sistema Terra.

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